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Da porteira para fora (149) – Jornal Tribuna Liberal de 05/04/2020 – “Assemblée des Notables”.

Semana passada o Dr Zero Cost opinou sobre o Covid-19 e, num desses “Hangouts” com um amigo Bolsonarista ele desferiu a pergunta que está aí na boca do povo:

-Você é a favor das medidas tomadas pelo sr. Bolsonaro? E, eu disse:

-Não.

Aí ele fez um daqueles discursos políticos de prateleira e concluiu:

-Por que raios você é a favor do sr. Doria? Respondi:

-Eu não disse que era a favor do sr. Doria. No que ele retrucou:

-Se você não é favor do sr. Bolsonaro e nem do sr. Doria, então, é a favor do PT? Respondi:

-Bem, não tenho escutado a opinião dos petistas, mas também não disse isso e, nem tão pouco sou a favor do PT. Então, ele disse:

-Sou todo ouvidos, vamos lá. Fala, então!?!?

-Bem, tocar uma empresa em tempos de bonança é tranquilo, tocar uma empresa quando os ventos sopram contra já exigirá criatividade e estratégias claras dos dirigentes, agora, tocar uma empresa ou um governo quando a calamidade se instala os dirigentes de plantão não serão suficientes para tirar o país do caos. Ou, podem até tirar, mas a um custo muito alto. Então, o que fazer?

Vale dizer que independentemente da situação o CEO – Chief Executive Officer ou o presidente sempre possui a “palavra final”, mas de onde vem essa “palavra final”? Da cabeça dele? Não deveria! Em tempos de guerra, de caos, de vazios ou enxurradas de palpites desconectados e de estado desordenado é preciso consenso.

Líderes carismáticos quando acertam suas decisões se transformam em mitos, quando erram as pessoas não vivem para qualificá-lo. Os carismáticos quando falham conduzem seus seguidores para terra arrasada, para o nada e partem. Alguns como constata a história, se suicidam, outros migram para o ostracismo em exílios distantes.

Vejamos, nós pobres mortais recebemos dezenas de mensagens por dia, imagine um governador, um presidente! Quantas mensagens recebe o sr. Presidente da República do Brasil por dia? Suponha que ele dê os devidos créditos à OMS – Organização Mundial da Saúde, nada mais justo, quantos documentos essa respeitável organização soltou até o presente momento? Uma centena? Os primeiros 40 somente em inglês com a promessa de traduzi-los para o espanhol. E, segundo seu presidente o sr. Tedros Adhanom as recomendações, as advertências, as orientações são hora a hora. Se o presidente Bolsonaro se debruçasse sobre esses documentos não teria outra atividade até o final dessa pandemia.

De quem o presidente se cerca no momento de caos? Daqueles que lhe apoiam, é claro. Será que aqueles que o apoiam, independentemente de serem honestos, são as pessoas mais acertadas nesse momento ímpar? Nesse momento jamais imaginado? Nesse momento de guerra? Nesse momento de conflito de opiniões? Nesse momento desemparelhado?

Dia desses li um depoimento dos proprietários da InBev onde eles diziam que não aceitavam os próprios filhos como funcionários do grupo. A justificativa? Recebem 70.000 candidatos para uma única vaga de estagiário, será que entre esses 70.000 jovens há algum melhor que qualquer filho herdeiro?

Pois é, sem condenar as ações do atual presidente ou de qualquer governador é preciso se conscientizar que temas de impacto mundial exigem profissionais de múltiplas formações, cabeças pensantes de primeiríssima linha que saibam ou consigam prever as mínimas consequências de uma canetada com o peso da caneta BIC do presidente. Como fazer isso? Depende do tema. Se o tema é por exemplo uma pandemia, quem são as melhores cabeças nacionais para propor uma ou várias soluções em diversas áreas?

Isso não significa que o Rei irá perder seu poder,  a “Assemblée des Notables” era um grupo de pessoas de títulos elevados e funcionários do governo que convocados pelo Rei de França em situação especialíssimas, mega extraordinárias, juntavam todas as peças do quebra-cabeça, analisavam os prós e os contras e propunham cenários ao Rei. Digamos, um órgão consultivo em questões que ultrapassavam a seara de um ministério da Saúde, ou um ministério da Economia, ou …

Se tivéssemos uma “Assemblée des Notables” ela deveria conter doutores em modelos matemáticos, alguns epidemiologistas, economistas de diversas correntes, “experts” em política internacional, alguém do Banco Central&BNDES, representantes da economia informal (gente da ponta), enfim, aquilo que o Rei e o problema exigissem ser necessário para o caos pontual instalado. Caso o problema mude, muda-se os membros da “Assemblée des Notables”.

A opinião do especialista em modelo matemático dentro da “Assemblée des Notables” será lei? Não, absolutamente. Diante da disposição de conexões digitais que temos acesso nos dias de hoje, o especialista teria conexão direta com outros especialistas da mesma área, brasileiros e mundo afora, essa rede embasaria a opinião desse especialista e assim sucessivamente dos demais partícipes. Desse consenso teríamos a melhor alternativa e, nosso Rei optaria por um caminho menos doloroso. Que haverá dor, haverá! No entanto, opiniões desatreladas do comando central seriam desprezadas, apartadas do foco único.

Num exemplo trivial da necessidade de coordenação central, suponha que o governador de São Paulo decida pela abertura de todos os aeroportos locais e os demais governadores dos demais estados decidam pelo fechamento dos aeroportos. E aí?

Esses notáveis deveriam se reunir e ficar ali reunidos, uma espécie de colégio de cardeais que se reúne a portas fechadas para eleger o papa, um conclave, onde só sairão dali com a solução, a implantação, o acompanhamento e o fim do problema.

A “Assemblée des Notables”, como exemplo real, se reuniram em 1583 e o segundo encontro se deu em 1596 – 1597, ou seja, não é preciso temer essas cabeças brilhantes no curto prazo. Eles não desfilam em carro aberto pelas ruas caso logrem a solução. Esse tema de sair dando as mãos, beijar criancinhas, comer pastel de feira, enviar mensagens diárias pelo Twitter e tirar “self” é coisa de político.

4 novembre 1596 : assemblée des notables à Rouen, convoquée par Henri IV.

Como no Brasil tudo é muito lento, quando decidirmos por uma “Assemblée des Notables” o primeiro mundo terá o Watson (plataforma de serviços cognitivos da IBM e futuramente de outros concorrentes, tanto para negócios como para pandemias). Injetarão informações nessas máquinas pensantes, farão um intervalo para o café, e “voilà”: soluções mais assertivas estarão prontas à disposição do Rei.

O Brasil e o mundo com ou sem “Assemblée des Notables” não será o mesmo após essa crise do COVID-19, esperemos que pelo menos os cientistas que elevam o padrão de conhecimento de uma sociedade sejam honestamente reconhecidos e que outras profissões como “athlètes vedettes” tenham seus méritos também reconhecidos dentro de padrões da razoabilidade.

Muitos aprendizados devem ser ajustados para enfrentarmos próximas catástrofes. Ahh, mas já conseguimos a vacina. Ok! E, se o nível do mar subir 30 centímetros? E, se a temperatura média subir 2 graus Celsius? Aprendizados:

  1. A Globalização; se alguém possuía o posicionamento: “Eu sou contra a globalização”. Deve se conscientizar que essa situação não mais existe; o sujeito toma uma sopa de morcego na China, se contamina e, o fulano vem a óbito no interior do Piauí três semanas depois. Estamos na mesma nave.
  2. A “Assemblée des Notables”; não pode se sujeitar a burocracia “modus operandi” (rotinas que uma organização que opera em condições normais). As aprovações das decisões da “Assemblée des Notables” segue à aceitação imediata e posteriormente a aprovação por outros trâmites excepcionais.
  3. A tecnologia é fundamental, necessária, inevitável, obrigatória e vital, ou temos vistos nos telejornais reportagens sobre telemedicina e robôs cuidando de pacientes contaminados?
  4. O planejamento para enfrentamento de crises antecede a crise. Como nos ensina Sun Tzu “…quase todas as batalhas já estão ganhas ou perdidas antes mesmo de haverem se iniciado. É precisamente o conhecimento das inúmeras variáveis envolvidas na guerra que faz os vencedores e os perdedores”.

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