Artigo originalmente publicado no documento IBGC Análises & Tendências – 2ª edição, apresentando uma visão bastante detalhada sobre o papel do conselho de administração na estratégia das organizações
Mudanças profundas e aceleradas no ambiente de negócios trazem novos desafios para toda a sociedade. No mundo da governança corporativa, essas transformações têm forte impacto na atuação do conselho de administração, que tem como papel essencial refletir sobre objetivos futuros da organização, antecipar riscos e vislumbrar oportunidades.
Cabe ao conselho estabelecer as bases do processo de pensamento e planejamento estratégico que levará à definição dos rumos do negócio e, portanto, os conselheiros precisam aprofundar a sua visão sobre a importância do pensar estratégico.
O pensar estratégico não é uma atividade com ritmo predeterminado, um evento no calendário anual da empresa. Na verdade, trata-se de um processo permanente, que se intensifica cada vez que o gestor e conselheiro detectam “perturbações internas ou externas capazes de afetar os resultados da estratégia”. A reflexão sobre a estratégia deve ser contínua, porque a capacidade de se antecipar às mudanças constitui, frequentemente, uma condição para a sobrevivência no mercado.
O conselheiro deve praticar e promover algumas habilidades em relação ao pensar estratégico. Com foco no ambiente externo, ele deve desenvolver visão periférica e sistêmica, construir uma sólida rede de relacionamentos de alto nível e manter-se atento a oportunidades na cadeia de valor. Com foco no ambiente interno, deve fomentar o pensamento crítico; aprender com a organização informal; construir hipóteses; incentivar a adoção de projetos-piloto; estimular o uso do plano estratégico como veículo para o pensar estratégico.
O conselheiro deve incentivar mudanças de conduta e ficar atento a comportamentos ou posturas dos gestores, das equipes e do próprio conselho que possam inibir o pensamento estratégico. Alguns exemplos de inibidores do pensamento estratégico são: excesso de atenção a assuntos operacionais; inércia em tempos de bonança; previsões estratégicas como simples projeções do passado; subordinação à orçamentação; e sistema de remuneração convencional.
O pensar estratégico é crítico para qualquer organização, em maior ou menor grau, dependendo do seu segmento de atuação. Ele contribui para o processo de planejamento e para a gestão estratégica com visões de futuro.
De forma implícita ou explícita, todas as organizações deliberam sobre temas estratégicos. Na mente dos fundadores, nas decisões dos administradores, em modo mais ou menos formalizado, o raciocínio estratégico esteve e está presente.
Pensamento estratégico e planejamento estratégico são ambos necessários à formulação estratégica; isoladamente, são insuficientes. O planejamento integra os fundamentos da estratégia e seus componentes essenciais dando quantificação e materialidade ao conteúdo resultante da reflexão estratégica.
Um dos fundamentos da formulação estratégica é estimular o debate. É essencial promover um ambiente favorável às discussões estratégicas para desenvolver novas percepções sobre o negócio e formas inovadoras de gestão, além de assegurar a própria qualidade das decisões estratégicas. A revisão e validação dos estilos de decisão são outro fundamento importante, porque abordagens que deram certo no passado podem se tornar inadequadas com o surgimento de novos desafios e colocar em risco o futuro dos negócios. Saber escolher a metodologia mais adequada para elaborar o planejamento estratégico também é fundamental, pois abordagens distintas levam a diferentes diagnósticos e, consequentemente, a diferentes conclusões.
Para formular as diretrizes estratégicas o conselho precisa revisitar os conceitos de missão, visão e valores que, dependendo do estágio de desenvolvimento da organização, talvez não estejam explicitados de forma estruturada e clara.
Ouvir os sócios sobre a visão que eles têm da empresa e do futuro dos negócios é uma boa prática dos conselhos, tomando sempre o cuidado de ter a palavra final sobre a incorporação ou não das contribuições oferecidas. O presidente do conselho tem papel relevante a desempenhar nesses diálogos. Sua habilidade, liderança e capacidade de mediação na condução desses contatos são fundamentais para elaborar as diretrizes estratégicas. É boa prática também o conselho estar atento às necessidades das partes interessadas (ou stakeholders) da organização. A experiência dos conselheiros é importante para saber medir a legitimidade desses anseios.
As diretrizes estratégicas definidas pelo conselho estabelecem as bases do processo de planejamento estratégico.
A elaboração do plano estratégico divide-se nas etapas de preparação, desenvolvimento e aprovação. O desenvolvimento do plano estratégico geral e detalhado é tarefa da diretoria executiva. O papel do conselho de administração deverá ser ativo nas três fases, mas com intensidades distintas. O envolvimento se dará principalmente com o aporte de experiências e opiniões relevantes e buscando manter o alinhamento com as diretrizes para evitar assimetrias
que venham a gerar frustrações na avaliação subsequente do plano. É fundamental que a diretoria, periodicamente, apresente ao conselho como as principais questões estão sendo tratadas e como elas estão sendo encaminhadas de acordo com o cronograma dos trabalhos.
Cabe ao conselho validar o que está no plano, questionando se a organização dispõe das competências necessárias e se há recursos tangíveis e intangíveis para suportar o que foi estabelecido. Um erro de avaliação frequente é acreditar que, uma vez viabilizado o acesso ao capital, todos os demais recursos têm oferta elástica. O conselho precisa dar atenção permanente à gestão estratégica dos recursos.
O conselho deverá definir claramente, e indicar nas suas diretrizes, o apetite ao risco que a organização está disposta assumir na estratégia. Isso deverá ser atentamente levado em conta pela diretoria executiva ao desenvolver o plano.
A aprovação do plano estratégico é responsabilidade do conselho de administração. Se o processo de construção da estratégia tiver sido conduzido de forma adequada, haverá nesse momento ambiente propício, marcado pela confiança profissional e pessoal entre os envolvidos, um plano alinhado às diretrizes recebidas, com as grandes linhas estudadas e compreendidas e as contribuições dos conselheiros já incorporadas. O fundamental é que o plano seja de todos.
É necessário também levar em conta que o plano estratégico é um documento “vivo”. Ele não sobreviverá muito tempo às mudanças contínuas no mercado se não for gerenciado para se manter atualizado e relevante. O plano precisa ser flexível. Cabe à diretoria fazer ajustes menores diretamente ou propor ao conselho correções de maior impacto durante a vida do plano. O processo decisório da empresa deve conter mecanismos para detectar mudanças que possam afetar o mercado e a dinâmica da competição, e cabe aos conselheiros se manter atentos a possíveis mudanças, imaginando o quanto elas podem afetar a estratégia aprovada. Se concluir que uma mudança de estratégia é necessária, o conselho deverá colocar o tema em discussão para possíveis ajustes.
Uma vez aprovado o plano, o conselho e a diretoria executiva escolherão os indicadores a serem monitorados periodicamente e avaliados nas reuniões de conselho. O grau de detalhamento desses indicadores dependerá das circunstâncias da empresa, dos pontos que geram preocupação e da contribuição do plano para a geração de valor. A definição de indicadores de desempenho relevantes é um aspecto crítico do acompanhamento do plano. Eles ajudam a avaliar a qualidade da execução de forma tempestiva e fundamentam ajustes necessários no desempenho para assegurar que a organização esteja no rumo pretendido e consiga evitar resultados indesejáveis.
O sucesso do plano estratégico depende de uma comunicação com todos os públicos direta ou indiretamente envolvidos na sua execução. Essa tarefa é de responsabilidade da diretoria executiva, que deverá executar o plano e liderar a organização na implementação da estratégica definida.
Cabe ao conselho se certificar de que o diretor-presidente e os principais executivos da organização estejam envolvidos diretamente na implementação do plano estratégico, alinhados aos seus objetivos e dispostos a conduzir os colaboradores na busca das mudanças desejadas.
Para acompanhar a execução do plano estratégico, a base principal serão as informações preparadas pela diretoria executiva.
O conselho deverá reservar um tempo específico em suas reuniões para discutir a estratégia e a implementação do plano. É importante que os conselheiros fiquem atentos a dados genéricos demais que mascaram informações pertinentes ou a detalhes excessivos que retiram o foco do essencial. Eles devem assumir uma postura ativa e inquisitiva para poder avaliar o grau de eficácia na execução.
A experiência e a vivência dos conselheiros são fundamentais para trazer alternativas de ação, mas é importante ter cuidado para não se envolver demais em questões operacionais.
O conselho de administração é realmente o guardião da estratégia da organização quando inclui o pensar estratégico como rotina em suas atividades, porque assim ele tem mais chances de vislumbrar oportunidades, antecipar mudanças e gerar valor para a organização.
Texto por: Eliana Maria Segurado Camargo, Coordenadora da Comissão de Estratégia do IBGC e da publicação O papel do Conselho de Administração na Estratégia das Organizações, lançada pelo instituto em 8 novembro de 2017.
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