O rapaz estudou e não passou no vestibular do ENEM. Qual a sua opinião? A resposta mais comum será:
-Não estudou o suficiente. Vestibular não é fácil.
Outra resposta:
-Se se esforçar mais, terá maiores chances no próximo ano.
A reposta pior:
-O exame é democrático, é cada um para si e Deus para todos.
O fato desse candidato não ter passado no vestibular o classificou como não tendo méritos para tal. Ponto. A meritocracia enseja problemas muito mais complexos do que a análise simplista acima, vamos analisá-la diante de duas perspectivas:
- De baixo para cima;
Algum recurso ou condição foi dado a esse candidato para que ele chegasse às portas do vestibular. Esses recursos independentemente de suas origens devem ter sido abraçados pelo candidato.
No entanto, as condições de contorno que ele enfrentou são inúmeras; gênero, raça, capacidade intelectual proveniente de seu DNA, tempo disponível para os estudos, condições ambientais para os estudos, acesso às ferramentas & literatura disponível, a saúde física e mental, e a religião.
Sim, no Brasil o ser feminino, o não hétero, o preto, e algumas religiões ainda lutam para conseguir espaços iguais na sociedade. Essas desigualdades desembocam em discriminação. Basta verificar recentes levantamentos confirmando que não há herança disponível a ser partilhada pós morte de um indivíduo qualquer de cor preta no Brasil.
Vale dizer que o branco goza de certas “regalias” no Brasil, mas se faz mister mencionar que o branco no Brasil não é o mesmo branco nascido nos Estados Unidos do Norte, um branco aqui será considerado latino por lá, ou seja, há um viés pejorativo nessa classificação.
- De cima para baixo;
A condição implícita de cima para baixo é menos notável. Um candidato ao vestibular proveniente de família com posses terá outro tipo de formação até chegar às portas do vestibular.
Muito provavelmente esse candidato terá feito um colégio de primeira linha, terá sido exposto a outros idiomas, terá viajado ao exterior em algumas oportunidades, terá frequentado rodas de amigos de seus pais de nível cultural diferenciado, terá se alimentado de acordo com o estado da arte e terá praticado esportes elitizantes.
Algumas escolas americanas de 1ª linha exigem um résumé do candidato e nesse résumé trabalhos comunitários contam pontos. Assim, famílias abastardas costumam enviar seus filhos para missões em outros continentes para experiências de “ajuda humanitária” e no retorno o candidato escreverá em seu résumé passagens supostamente humanitárias e dignas.
Recentemente fomos expostos através de jornais americanos a escândalos de pais norte-americanos que ora doavam alguns milhões de dólares para universidades de 1ª linha, ora compravam vagas nessas mesmas escolas para terem seus amados filhos futuramente formados e estampando diplomas com brasões universitários reconhecidos mundialmente.
Concluímos:
- que o processo meritocrático para ser imparcial deve contemplar as duas perspectivas e nivelá-las, de baixo para cima e de cima para baixo. Obviamente estamos muito longe das condições perfeitas de competição. No entanto, a simples visão daquilo que deve e pode ser mudado já fará com que as decisões dos dirigentes eleitos ou dos candidatos se guiem por um rigor analítico.
- que a meritocracia educacional no Brasil está ligada umbilicalmente a nossa engessada mobilidade social.
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